Pra que
Filosofia?
Enumerarei as possíveis vantagens de ser um
filósofo: saber que tudo o que as pessoas pensam estar fora, na verdade, está
dentro; como o “conheça a ti mesmo” de Sócrates apontou, sabemos - ou pelo
menos suspeitamos - que o que somos não está nas roupas que usamos, posições
sociais ou na soma de opiniões alheias sobre nossa pessoa, mas no que sabemos
que somos. O primeiro perigo a que a filosofia nos suscita: o que eu não souber
de mim, outros que saibam se apropriarão, um exemplo disso é a consciência da
liberdade ao longo da história, ou melhor dizendo, a construção na consciência
da liberdade.
Segunda vantagem de ser um filósofo: saber que
os significados que atribuímos a circunstâncias do mundo exterior são
inseparáveis de nosso modo de perceber o mundo, algo que as categorias do
conhecimento e as formas de sensibilidade de Kant apontam; nós filósofos
acompanhados por sociólogos, antropólogos, cientistas naturais e outros,
sabemos - ou pelo menos desconfiamos intensamente - que objetos e relações
externas a nós só podem ser conhecidos na medida da interpretação humana, e
essa interpretação nunca será única. Num sentido diferente do Kantiano,
considerando a afirmação de Heráclito, de que “Tudo se move”, além dos objetos
estarem sempre envolvidos em algum processo de mutação, as relações externas e
as interpretações atribuídas a estas pelo homem também estão imersas num
processo de mudança perene. Segundo perigo se delineia: pode a noção de Deus, e
outros dogmas religiosos, também estarem sujeitos a uma mutação constante? Ou,
ainda mais perigoso, podem escapar disso?
Terceiro ponto: saber que não podemos aprender tudo sozinhos, precisamos
do outro em várias instâncias. No sistema de Hegel encontramos inspiração para
esse aprendizado com o outro - que não irá acontecer sem um certo embate de
opiniões - ao atentarmos para o choque entre sistemas materialistas e
idealistas que se deu (principalmente) no desenvolvimento da filosofia moderna,
causando críticas trocadas e de resultados favoráveis a ambos, o que resultou,
por fim, numa nova concepção, em forma de síntese possível, refinando as ideias
iniciais mais grosseiras tanto do materialismo quanto do idealismo; fato que
foi de grande benefício para a ciência e para a filosofia. Este saber também é
perigoso: como sustentar o preconceito racial, de sexo, de nacionalidade e de
tantas outras modalidades que não faltam, com a certeza de que não sabemos tudo
sobre o mundo e, justamente ao contrário, enriqueceremos nosso aprendizado com
quem pensa diferentemente de nós? Seria possível mandar um cidadão à guerra, se
este tivesse ao menos uma leve consciência do fato de que o que o incomoda no
seu inimigo e o desafia é justamente o que não deve ser
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